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28 de abril de 2011

Hoje quero escrever qualquer coisa

    OESP – Caderno 2 - 1987
Hoje quero escrever qualquer coisa tão iluminada e otimista que, logo depois de ler, você sinta como uma descarga de adrenalina por todo o corpo, uma urgência inadiável de ser feliz. Ser feliz agora, já, imediatamente. E saia correndo para dar aquele telefonema, marcar um encontro, armar um jantar, quem sabe um beijo; para comprar aquela passagem de avião, embarcar hoje mesmo para Nova York, Paris, Hononulu. Tão revigorado e seguro – depois de me ler – que nada, absolutamente nada, dará errado: ela (ou ele) atenderá com prazer (em todos os sentidos) ao seu chamado, haverá saldo no banco para a passagem e muitos dólares. Tudo se organizará rápida e meio magicamente, como se todos os astros e todos os deuses só esperassem por um momento seu para derramar sobre sua cabeça, digamos, uma cornucópia de bem-venturanças.
Só não sei bem que palavras usaria. Por não sabê-las, penso: se eu não conseguir escrever nada tão desvairadamente feliz, talvez consiga o contrário. Um texto terrivelmente melancólico, então. Que depois de ler você chore lágrimas sentidas (chorar é bom, libera energia escura, expulsa venenos que não sairiam do corpo de outra forma). Que você rememore todas as perdas, uma por uma, e pense também na dor física, na solidão sem remédio, na morte inadiável. Para piorar tudo, pense também nisso que chamam de “os destinos do País”.
Por falar em “destinos do País”, posso tentar, quem sabe, uma coisa mais social, tão social quanto comício com a Lucélia Santos. Descrever com minúcias odiosas famílias inteiras morando embaixo das marquises do Conjunto Nacional. Falar naquele mendigo com que cruzei ontem na cidade e, sem querer, vi remexendo nos sacos de lixo da calçada, enfiando as mãos de unhas imundas em restos de arroz azedo. Seria esse um texto cheio de piedade e ira, de náusea e revolta. Que depois de ler, você ficasse tanto com os olhos marejados de lágrimas quanto com o coração fervilhante de ódio. E saísse correndo para fazer alguma coisa (tão abstrato “fazer alguma coisa”). Pegar em armas, por exemplo. Dar seu dinheiro (você tem algum? Parabéns) para A Causa do Povo.
Talvez não consiga. Não, decididamente não vou conseguir: quem sabe tento o hermetismo? Com palavras sonoras, milimetradas. Que você ao lê-las tenha vontade de escandí-las (nunca pensei que fosse capaz desta sintaxe janista...), batendo os dedos no tampo da mesa. Palavras frementes de climas, a mata amazônica ao lado de um deserto marciano e, logo a seguir, um coração em chamas junto de uma frígida reflexão cibernética. Não haveria emoção: só ritmo. Não haveria sentido: só forma.
Dá vontade de escrever carta, dizendo coisas que as pessoas não dizem mais, porque seriam coisas que só se dizem por carta, não por telefone, e ninguém escreve mais carta, só telefona, e portanto há coisas que não são mais ditas entre as pessoas. Que coisas, não sei ao certo. Que hoje não consigo quase nada, além de pensar vadio. Isso, aquilo: perdoe.
Como você consegue, como você consegue? Perguntariam. Acontece que também não consigo. É que hoje estou em suspenso. O dia deu em chuvoso, como no poema de Fernando Pessoa. Meio-dia em ponto, a mala para arrumar (viver é sempre meio Pessoa) e visitar o baú (meu terapeuta descobriu que Porto Alegre para mim é um baú), sentado em frente à janela, a cabeça fica borboleta. Lembro de coisas inesperadas como os pés de meu pai de repente sou tomado de louca compaixão pelos pés de meu pai, pés cansados de homem de quase 70 anos, pés que devem sentir muito frio em agosto. Quando começo a considerar a hipótese de dar um par de meias a ele (nunca fui muito bom em presentes) no Dia dos Pais, a cabeça dispara e lembro que preciso encontrar urgente aquela Nana Caymmi cantando Copacabana, se não morro. E prometi levar o Bukowski em quadrinhos para meu irmão Felipe (o mais bukowskiano de todos os irmãos), e preciso dar uns telefonemas, inclusive para Silvia Simas, que me abandonou, então não ligo. Pronto, acabou: não preciso ligar para ninguém, já que ninguém liga para mim. Então vem na memória Maria Julieta Drummond de Andrade, vem uma dor fininha junto. Linda, ela.
                                              
(Caio Fernando Abreu)

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“Não sinto nada mais ou menos, ou eu gosto ou não gosto. Não sei sentir em doses homeopáticas. Preciso e gosto de intensidade, mesmo que ela seja ilusória e se não for assim, prefiro que não seja. Não me apetece viver histórias medíocres, paixões não correspondidas e pessoas água com açúcar. Não sei brincar e ser café com leite. Só quero na minha vida gente que transpire adrenalina de alguma forma, que tenha coragem suficiente pra me dizer o que sente antes, durante e depois ou que invente boas estórias caso não possa vivê-las. Porque eu acho sempre muitas coisas - porque tenho uma mente fértil e delirante - e porque posso achar errado - e ter que me desculpar - e detesto pedir desculpas embora o faça sem dificuldade se me provarem que eu estraguei tudo achando o que não devia. Quero grandes histórias e estórias; quero o amor e o ódio; quero o mais, o demais ou o nada. Não me importa o que é de verdade ou o que é mentira, mas tem que me convencer, extrair o máximo do meu prazer e me fazer crêr que é para sempre quando eu digo convicto que nada é para sempre." (Gabriel García Márquez)

Definição

"Me mande mentalmente coisas boas. Estou tendo uns dias difíceis, mas nada, nada de grave. Dias escuros sem sorrisos, sem risadas de verdade. Dias tristes, vontade de fazer nada, só dormir. Dormir porque o mundo dos sonhos é melhor, porque meus desejos valem de algo, dormir porque não há tormentos enquanto sonho, e eu posso tornar tudo realidade. Quando acordo, vejo que meus sonhos não passam disso, sonhos; e é assim que cada dia começa: desejando que não tivesse começado, desejando viver no mundo dos sonhos, ou transformar meu mundo real num lugar que eu possa viver, não sobreviver."
(CFA)

Pausado

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"Tô feliz, to despreocupado, com a vida eu to de bem"

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"Mas como menina-teimosa que sou, ainda insisto em desentortar os caminhos. Em construir castelos sem pensar nos ventos. Em buscar verdades enquanto elas tentam fugir de mim. A manter meu buquê de sorrisos no rosto, sem perder a vontade de antes. Porque aprendi, que a vida, apesar de bruta, é meio mágica. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola. E lá vou eu, nas minhas tentativas, às vezes meio cegas, às vezes meio burras, tentar acertar os passos. Sem me preocupar se a próxima etapa será o tombo ou o voo. Eu sei que vou. Insisto na caminhada. O que não dá é pra ficar parado. Se amanhã o que eu sonhei não for bem aquilo, eu tiro um arco-íris da cartola. E refaço. Colo. Pinto e bordo. Porque a força de dentro é maior. Maior que todo mal que existe no mundo. Maior que todos os ventos contrários. É maior porque é do bem. E nisso, sim, acredito até o fim.” (Caio Fernando Abreu)